terça-feira, junho 19, 2007

Carta de Jan Kmam

“Ela partiu somente há algumas horas e sua ausência já me atormenta como se foram meses, anos. A noite não é a mesma sem seu sorriso, sua presença. Navego por um oceano de silencio em nosso apartamento vazio, tudo que vejo são lembranças... No sofá, as almofadas reviradas, onde jazia deitada, imersa em poesia, musica, meus braços... Agora está deserto. Seu perfume está nelas, como em minhas mãos, meu corpo. Foi o abraço apertado da partida. Deveria tê-la mantido aqui, entre meus braços, junto ao peito, onde poderia vigiar seus olhos e gestos. Mas ela precisa voar como um pássaro para se sentir livre. Quase posso vê-la no quarto escolhendo a roupa que vai vestir. Um ritual que acompanho com prazer, deleite. Toca as peças, move os cabides, olha-se no espelho, pressiona a roupa de encontro ao corpo quase a medindo. O faz distraía de minha presença, busca sapatos e ali a minha frente despe-se sem pudor. Perfeita, alva como a lua prateada. Não ouso toca-la, ela não gostaria. __Prefere que a toque com meus olhos, meu desejo, diz poder senti-lo sobre a pele, e a vejo arrepiar-se, em gozo. Sinto seu cheiro nos lençóis da cama, na fronha do travesseiro, no roupão que esqueceu no banheiro. Brinco com seus sapatos e me pergunto o quanto eles sabem de seus passos, meus dedos passeiam pelas tiras, na fivela, buscando seu dedos, sua presença, a maceis de seus pés delicados que tantas vezes já beijei e mordi no auge da paixão. O que sou para te mulher-vampira? Mestre, amante, senhor do seu desejo? Não percebe que sou teu? Que me rendo, me submeto? Imagine encontrar o amor verdadeiro e tê-lo como certeza para todo o sempre. __Uma sensação perfeita, pura, assustadora. Afinal, haverá diferenças, brigas que poderão ser resolvidas pelo laço do amor, da inteligência, do perdão, que só existe quando o amor une duas almas. Ela nunca se rende, e mesmo assim me pertence. Que estranha sentença para um coração apaixonado. Como possuir o que se faz livre, selvagem em uma fêmea? Melhor deixa-la indomada, arisca, como uma borboleta que a menor aproximação se afasta levando consigo suas cores, o doce que roubou das flores. Além das janelas nas ruas existem outras, mas é somente diante dela que desejo cair de joelhos. Posso desenhar seu corpo no ar, o tenho dentro de minha mente, tal qual um mapa, antigo, repleto de lugares misteriosos. Onde conquistador, me aventuro, arrisco a perder-me, morrer em seus braços de estatua mítica. Estou destinado a caminhar ao seu lado. E se ela for minha sentença, entrego-me à morte por mil vida e vezes. Que venha, que me mate, que me devore tal qual a esfinge. Pois, suas armadilhas eu decifrarei como estudioso dentro de meu peito. Com minha mão profana alcancei tesouros, jóias ocultas dentro de seus gemidos. E nos seus lábios colhi suspiro em forma de relíquias. Seus olhos feitos de noite são meu mundo, a candeia infernal que ilumina os recantos ocultos de minha alma imortal. E quando finalmente ela se entrega em minhas mãos, dócil, fêmea. Molda-se a meu corpo como argila nas mãos de um escultor atento, e toma forma ao sabor de meus beijos, encontra o equilíbrio diante do fogo de meu desejo. Mas é por vezes uma escultura de mármore, pleno em beleza e frieza. Uma rosa selvagem, repleta de espinhos venenosos onde anseio me emaranhar, fenecer ao ardor de seus beijos”. Jan Kmam

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